Médico não é despachante

14 de setembro de 2012

Há tempos, tenho adiado este desabafo. Em razão do acúmulo de atividades dos últimos meses, de certo acanhamento da minha parte – já que o assunto medicina não é minha especialidade acadêmica ou profissional – e da publicidade conquistada pelas nossas postagens, não posso me permitir a dar opiniões como numa conversa informal entre amigos. Como homem público e pretendente a cargo eletivo, tenho obrigação de sempre respaldar meus posicionamentos em dados e fatos. Ao ler a Folha de São Paulo do dia 9, (domingo), vi um artigo do médico Luiz Roberto Londres, intitulado “Médicos que não querem conversa”. Isto me motivou a tecer os comentários a seguir.

Como prenuncia o título do artigo escrito pelo médico, mestre em filosofia e presidente da Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro, o texto é uma crítica à forma como nós, pacientes, somos atendidos. Atualmente, a medicina praticada, seja nos postos e hospitais públicos, seja nas clínicas e consultórios médicos da rede privada, dá preferência aos diagnósticos por exames de imagem ou laboratoriais e ignora a importância da anamnese – entrevista que busca relembrar todos os fatos que se relacionam com a doença e à pessoa doente. Ou seja, da boa e velha conversa (tecnicamente conduzida) para apurar a real situação do paciente e entender as origens dos seus males.

Lembro-me que há uns 15 anos, ao peticionar  em defesa de uma médica, acusada por uma paciente de erro médico, estudei, por 15 dias, livros de medicina para elaborar a contestação. Até hoje, uma frase carimba minha memória: “O diagnóstico clínico é soberano”. Perdoem-me os leitores, mas não consigo me recordar do autor e nem da bibliografia. A frase vai de encontro ao que o artigo de Luiz Londres, que ora comento, traça como retórica.

Repito, não sou médico e muito menos um estudioso da medicina. Sou um usuário comum, talvez como você que dedica parte do seu tempo para nos acompanhar, mas sou um usuário interessado na melhoria do nosso sistema de saúde. E conheço bem o funcionamento de suas engrenagens.

Divago em meus pensamentos, e busco em fatos reais minhas críticas. Vejamos. Fato: médicos (com poucas exceções) não nos entrevistam durante as consultas. Fato: pacientes (com algumas exceções) não querem ser entrevistados durante as consultas. Fato: médicos são cobrados direta, ou indiretamente, por fazer o atendimento rápido aos pacientes. Fato: pacientes buscam nos médicos um único resultado, que não o diagnóstico, mas um receituário para algum remédio ou algum exame.

O problema da saúde, no que tange à causa fundamental, ou à raiz dos problemas não pode se resumir à falta de médicos, hospitais ou clínicas. Ele é um problema social relacionado aos nossos hábitos e costumes. Obviamente, não fecho os olhos para as dificuldades pontuais e que podem ser solucionadas com a atuação, também pontual, do poder público. Por exemplo, garantir o funcionamento de postos de saúde 24 horas em bairros distantes, evitando assim, grandes deslocamentos dos usuários, além de fortalecer a medicina preventiva com visitas das equipes de Saúde da Família, e incrementar o número de médicos no quadro de funcionários da nossa Cidade de Mogi das Cruzes.

Porém, como disse antes, temos um problema maior a ser resolvido. Isto demanda tempo e muita persistência, por implicar uma alteração estrutural da nossa política pública de saúde. O médico deve se postar em seu devido lugar como profissional habitado a diagnosticar a doença da pessoa. E o paciente, por sua vez, deve se postar no lado passivo desta relação. O fato de o médico não indicar a realização de um exame de imagem ou laboratorial, ou não receitar um produto farmacêutico, não quer dizer que ele não fez o seu serviço adequadamente.

Pergunto-me, quantos exames de imagem foram feitos Brasil afora sem que existissem evidências da sua necessidade? Quanto dinheiro e tempo foram gastos para a realização de exames desnecessários? Não me refiro apenas à rede pública de saúde. Na rede privada, também ocorrem problemas em cadeia. Pergunto-me novamente: quantos anos de medicina estudaram os pacientes do setor privado para receberem, do seu plano de saúde, um livro contendo o telefone e endereço de inúmeros médicos especialistas, a fim de pinçarem, diante de um sintoma, qual especialidade devem consultar? De novo: quanto dinheiro e tempo foram gastos nessas consultas desnecessárias ou erradas? Pior: o quanto isso tudo custa ao doente que definha enquanto não vem a solução para seus males?

O sistema de saúde pública no Brasil deve passar por melhorias sim. Mas, essas melhorias devem ser iniciadas na base. Ou seja, na relação entre médico e paciente. Cada qual cumprindo seu papel no processo para garantir a resolutividade do atendimento. O objetivo é produzir um diagnóstico seguro e um tratamento correto, sem que o doente tenha de peregrinar por unidades de saúde e passar, desnecessariamente, por dezenas de profissionais. É sabido que uma anamnese bem conduzida é responsável por 85% do diagnóstico na clínica médica, enquanto 10% ficam a cargo do exame clínico (físico) e apenas 5% provêm de exames laboratoriais ou complementares.

Falo de posturas que precisam se consolidar no que se refere à saúde. Vale tanto para os médicos quanto para os pacientes. Os primeiros têm de zelar pela qualidade da entrevista, aproveitando ao máximo a consulta para nortear o diagnóstico com eficiência. Isto inclui a tão propalada humanização do atendimento. Já os segundos têm de se dedicar a fornecer informações e estarem abertos para conversar, longe do afã de sair do consultório com uma papelada para exames e receituário. Um fato a ser mudado na conduta dos pacientes: procuramos os médicos da mesma forma que buscamos um despachante, quando deveríamos nos submeter a uma consulta médica tal como nos postamos num salão de cabeleireiro ou de manicure.